A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta terça-feira (13/9) Proposta de Emenda Constitucional que, entre outras medidas, estabelece cláusula de barreira para os partidos, acaba com as coligações em eleições proporcionais a partir de 2020 e ainda cria a federação de partidos, como alternativa para pequenas legendas ao fim das coligações. Com a aprovação, o texto segue para votação em Plenário.
A PEC 36/2016 é uma iniciativa dos senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que sustentam ser necessária uma revisão das regras eleitorais. Segundo eles, mexer nesses pontos pode corrigir muitas distorções do atual sistema.
O relator, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), concordou com as ponderações dos autores da PEC e apresentou relatório favorável a matéria. Ele alterou apenas questões relativas à técnica legislativa para dar mais clareza ao texto, o que resultou num substitutivo.
O país tem hoje 35 partidos em atividade, dos quais 28 com representação no Congresso. Outros 43 estão em processo de formalização. "Nenhum lugar civilizado do mundo enfrenta uma realidade caótica como essa. A proposta visa, pois, moralizar e dar racionalidade ao sistema político, que está hoje na UTI. Infelizmente, o modelo atual fez da criação de partidos um negócio lucrativo, com uso de recursos públicos e comércio de tempo na propaganda gratuita. Uma correção não pode ser mais adiada", comentou Ferraço.
Sistema fracassado
A aprovação na CCJ acontece no mesmo dia em que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes,voltou a criticar o sistema eleitoral brasileiro. Um dos pontos ressaltados pelo ministro foi justamente a inexistência de uma cláusula de barreira.
Em uma comparação histórica, ele falou que situação semelhante permitiu a chegada de Hitler ao poder na Alemanha. O presidente do TSE explicou que a trava existente hoje na Alemanha, contra partidos com menos de 5%, é um aprendizado com a República de Weimar — república estabelecida na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, em 1919, e que durou até ao início do regime nazista, em 1933. Foi a possibilidade de uma minoria sem representatividade entrar no Parlamento que levou Hitler ao poder, explicou Mendes.
No Brasil, a cláusula de barreira foi aprovada na Lei dos Partidos Políticos, em 1995. Porém, o Supremo Tribunal Federal declarou a restrição inconstitucional em 2006. Seguindo voto do ministro Marco Aurélio, relator, o tribunal entendeu que as cláusulas imporiam dificuldades para os partidos minoritários, sufocando a representação de uma parte dos eleitores. A decisão, contudo, não impede que seja criada cláusula de desempenho ou se faça distinções para funcionamento parlamentar.
Fidelidade partidária
A PEC 36/2016 estipula que os políticos que conquistarem mandatos nas eleições de 2016 e 2018 vão perdê-los caso se desfiliem dos partidos pelos quais disputaram o pleito. Da mesma forma, os vices e suplentes escolhidos nessas eleições não terão o direito de substituir os titulares se deixarem suas legendas.
As únicas exceções dizem respeito à desfiliação em caso de mudança no programa partidário ou perseguição política. Uma terceira ressalva é feita para políticos que se elegerem por partidos que não tenham superado a cláusula de barreira criada pela PEC.
Cláusula de barreira
A proposta cria a categoria dos partidos com “funcionamento parlamentar”, que seriam aqueles com acesso a fundo partidário e tempo de rádio e televisão, estrutura funcional própria no Congresso e direito de propor ao Supremo Tribunal Federal ações de controle de constitucionalidade.
Em um primeiro momento, o relator acolheu a recomendação da PEC 36/2016 de condicionar o direito de propor ações de controle de constitucionalidade ao STF apenas aos partidos com “funcionamento parlamentar”. No entanto, essa posição foi revista ao longo da discussão da proposta na CCJ.
“Corre-se o risco de criarmos duas categorias de partidos políticos com legitimidade processual diversa para provocar o Poder Judiciário: partidos políticos com representação no Congresso Nacional e aqueles com funcionamento parlamentar. Essa dualidade não se revela salutar”, reconsiderou o relator, suprimindo essa restrição de seu substitutivo.
Para ter funcionamento parlamentar, um partido precisará obter uma votação nacional mínima nas eleições gerais: pelo menos 2% dos votos válidos em 2018 e pelo menos 3% a partir de 2022. Esses votos deverão estar distribuídos em pelo menos 14 unidades da federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos de cada uma.
Políticos que se elegerem por partidos que não tenham sido capazes de superar a barreira de votos terão asseguradas todas as garantias do mandato e podem mudar para outras legendas sem penalização. Em caso de deputados e vereadores, os que fizerem essa mudança não serão contabilizados em benefício do novo partido no cálculo de distribuição de fundo partidário e de tempo de rádio e televisão.
A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) considerou que a votação da proposta se deu "sem discussão aprofundada" e informou que, na próxima reunião de líderes, buscará um acordo. Ela lembrou que recentemente a própria CCJ aprovou uma proposta, relatada por Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), estabelecendo uma cláusula de barreira de 1,5%.
"Considero o que foi aprovado hoje como algo traumático ao processo democrático brasileiro. Uma cláusula de barreira de 3% fará com que tenhamos pouquíssimos partidos. Precisamos buscar uma saída", afirmou a senadora.
Já o senador Alvaro Dias (PV-PR) elogiou o teor da PEC aprovada. Ele disse que considera a cláusula de 3% como um passo para que posteriormente se adote uma barreira equivalente a 5% da votação, percentual ideal em sua avaliação.
Há ainda a fidelidade partidária para cargos executivos. Prefeitos e vereadores eleitos nas eleições deste ano que saírem dos partidos pelos quais foram eleitos perdem os mandatos. E os vices e suplentes ficam impedidos de assumir a titularidade. A regra também vale para senadores, governadores e para o presidente da República eleitos em 2018.
Esse trecho da PEC conflita com a jurisprudência: o Supremo já decidiu que, nos casos de eleições majoritárias, nas quais quem tem mais voto ganha, o mandato pertence ao eleito, e não ao partido. É a lógica contrária às eleições proporcionais, em que quem recebe os votos são os partidos.
A terceira determinação da PEC é que, a partir de 2020, sejam extintas as coligações partidárias em eleições legislativas. A escolha de deputados federais e estaduais e de vereadores se dá pelo sistema proporcional, em que os partidos recebem um número de cadeiras equivalente a sua votação percentual. Atualmente, os partidos podem se juntar em coligações, de modo que as votações das legendas coligadas são somadas e consideradas como um grupo único no momento de calcular a distribuição de cadeiras.
Federação de partidos
O senador Ricardo Ferraço, um dos autores da PEC, decidiu apresentar, ao longo da análise da proposta na CCJ, emenda recomendando a adoção do sistema de federação de partidos. A mudança foi integralmente acolhida no substitutivo de Aloysio Nunes, aprovado pela CCJ.
Ambos convergiram quanto ao argumento de que, no sistema de federação, os partidos permanecem juntos ao menos até o período de convenções para as eleições subsequentes, o que torna o cenário político mais definido e confere legitimidade aos programas partidários.
O entendimento é que a federação de partidos supera o obstáculo contra o fim das coligações e da cláusula de desempenho, sem criar dificuldades, entretanto, para os candidatos e partidos de menor representação parlamentar. Com informações da Agência Senado.